terça-feira, março 31

O outro lado




Farta das amizades masculinas.
Farta de andar ao colo com os gajos quando estes se separam das mulheres, amantes ou/e namoradas. Ainda lhe doem os braços do esforço que fez da última vez. Gajos pesados como o caraças, de barba rija, chorões da treta!
Saturada de pedidos de demonstração de solidariedade masculina, como aqui, aqui e aqui.

É oficial,  a Ana finalmente deu para o outro lado.
É verdade. Resolveu deixar-se adoptar pela Morena. É certo que lhe tem dado uma trabalheira, como bem se sabe, as amizades femininas exigem sempre, mesmo em tempos normais, muito mais empenho.
Há que saber detalhes da biografia, conhecer traumas de infância, saber o nome dos filhos, dos ex-maridos, e actuais amores, quem são as amigas e as inimigas...
É muita informação a reter. É preciso muita força de vontade para mudar. 
Acabaram os almoços em silêncio em tascas barulhentas e começaram as refeições em locais trendy escolhidos a dedo.
Acabaram as refeições acompanhadas de Cola Light e Água Tónica e entrou o Champagne a rodos.

Face a isto nem é tanto o medo que o frágil aparelho digestivo fique knock out é duvidar mesmo que a Ana consiga sobreviver a tanta conversa, tanta partilha e tanta intimidade.

Dou-lhes 6 meses!

sexta-feira, março 27

De 4 com o 6




Depois de o iPhone 4 ter avariado de um dia para o outro, a Ana jurou a si mesma que nunca mais arranjaria outro. Nunca tinha gostado tanto de um telemóvel e levou a mal aquilo do iPhone ter deixado de funcionar.  Disse que não precisava daquilo para nada, que era um gadget demasiado sofisticado, indicado para pessoas modernas e cosmopolitas, e  entregou-se de novo ao fiel Nokia com 10 anos.
 
Foi uma surpresa geral quando, umas semanas depois, apareceu com um iPhone 6! 
Nos dias que se seguiram declarava sem cessar que o iPhone 6 era o melhor telefone da sua vida e que nunca outro lhe teria dado tantas alegrias.
De repente até parecia que tinha esquecido o desgosto que iPhone 4 lhe tinha dado!
 
Mas o que as pessoas ainda não sabem, é que dentro da Ana está a crescer uma pequena angolana, que se passeia pela Av. da Liberdade e pelo El Corte Inglés  cheia de sacos de compras.
Que gosta de coisas boas e caras, que se desunha por últimos modelos disto e daquilo.
Que ri alto e tem opinião sobre tudo.
Que cura os desgostos à grande, em vez do downsize europeu aposta no upgrade angolano.
 
E a culpa é da Morena. A culpa, já se sabe, é sempre dos mais escuros...

segunda-feira, março 23

Um amor apressado




Há nova temporada de Masterchef para grande felicidade do Júnior e da Boneca.
Acompanham o concurso. Escolhem os seus concorrentes preferidos. Brincam. Analisam as refeições lá de casa como se fossem os jurados.

O problema é que o Masterchef começa a dar cabo dos nervos da Ana. Ver um monte de gente a cozinhar coisas que ela adoraria comer, descontrola-a. Mas pior do que isso, é ter que levar com o stress dos concorrentes, com as lágrimas e com aquela coisa irritante de "cozinhar com muito amor".

Ontem passou-se e gritou, estou farta desta porcaria de cozinhar com amor, o que provocou, claro, as gargalhadas de Joker do Júnior.

Depois desta explosão dela, na TV o concurso continuou, o concorrente que cozinhava com amor faz agora um esforço para não chorar enquanto os jurados provam o seu prato.

- A sério! Estou-me a passar, ainda aguento isto do amor agora esta coisa das lágrimas é de vomitar! E depois, eu nunca cozinho com amor! Cozinho com pressa, diz já aos gritos.
Aqui o Júnior já ri às gargalhadas com lágrimas. Ele adora ver a mãe descontrolada...

A Boneca, que está sentada no chão mesmo em cima da TV, alheia, como sempre, a toda a agitação dos outros dois, volta a cabeça para a mãe e diz com a sua serenidade habitual:
- E fica bom!.

Silêncio.

A Boneca repete,cozinhas com pressa mas fica sempre muito bom, e faz um sorriso reconfortante.

E eu digo, com risco de perder o acesso definitivo à net, cozinha com pressa, com amor apressado...

quinta-feira, março 19

Bando de anormais...



Primeiro foi a rapariga das castanhas. Topou-a logo de início, de certeza, e um dia destes meteu conversa.
Até já lhe fiou um dia meia dúzia de castanhas assadas.
Falam sobre maquilhagem, roupa e do que calha. Elogiam-se uma outra.
Miram-se e admiram-se, as duas sem a menor noção do que devem vestir no seu dia-a-dia. 
A rapariga das castanhas porque se veste como se estivesse ao balcão de uma loja de roupa alternativa, sempre maquilhada num estilo cool chic e , no entanto está ali, no Campo Grande à chuva e ao vento a vender castanhas. 
Quando à Ana já se sabe, voltou a vestir-se de forma temática e cada vez mais se está nas tintas para o dress code implícito da sua profissão.

Hoje apareceu o Jójó. O Jójó refere-se a ele próprio na terceira pessoa do singular. Sempre. Vende à porta do Metro carteiras para o passe, malas para levar o almoço e outras coisas que consegue transportar. Porque o Jójó não tem banca.
Jójó sentou-se ao lado dela à espera do comboio e com a desculpa do frio desatou a falar com ela como se fosse habitual falarem todos os dias. É certo e sabido que há meses que a topou e espanta-se por ela confessar que nunca o viu a vender. Nunca o viu. 
Depois de hoje até sabe a que horas ele abre a torneira da banheira de manhã para tomar banho, é às cinco e quarenta e cinco.
Entra na carruagem e contínua a falar como se fosse a coisa mais natural do mundo, despede-se no Areeiro com a familiaridade de um velho conhecido.

E ela fica ali, a pensar que apesar do esforço que faz para passar despercebida, para ser normal e anódina, para se dissolver na multidão, é um esforço em vão, nunca irá funcionar.
Desde miúda que atrai gente perdida, só, com um parafuso a menos...a tribo dela.

Ana, a futura velha gaiteira



Um destes dias a Ana foi ao El Corte Inglés para mais uma sessão do Curso de Literatura Policial.

Ficar ali sentada durante duas horas,  a ouvir falar de livros onde pelo menos uma pessoa, por obra, morre dá-lhe uma paz de espírito suspeita.

No entanto hoje o prazer dela foi a dobrar. No piso onde decorrem as aulas estava a colecção nova de fatos de banho e biquínis e mais uma vez verificou que não há por lá nada que lhe fique bem.

Prazer dela, não meu ou vosso.

É que a Ana não é apenas ridícula quando se recusa a aceitar aquilo que tem de parecido com a mãe dela.

É ridícula quando insiste em usar, no verão, biquínis reduzidos alegando que os fatos-de-banho lady like não lhe ficam nada bem. Chega todos os anos do El Corte Inglés a dizer que não têm nada de jeito que lhe fique bem e acaba a comprar biquínis na net que não tarda nada servirão apenas à Boneca...

Temo que à medida que as carnes lhe mirrem se transforme numa daquelas velhas excêntricas, deitadas ao sol sem a menor noção de estética ou decência!

MEDO! MUITO MEDO...





segunda-feira, março 9

Tal mãe, tal filha


 
Todos sabem que a Ana trata a mãe dela abaixo de cão. Da mesma forma que tratava o pai acima de gato.
 
Não há nada a fazer.
 
Uma das coisas que ela mais detesta é que lhe digam que está ou é parecida com a mãe dela. Sente-se de imediato despromovida.
 
Quando era miúda, uma das coisas que ela mais detestava era que mãe se atirasse para cima da cama dizendo "estou morta". Aquilo assustava-a. Era uma brincadeira parva, cruel e sem sentido.
 
De nada servia a mãe da Ana dizer que já a mãe dela também tinha a mania de fazer esta brincadeira.
 
Um destes dias a Ana atirou-se para cima da cama e declarou que estava morta. Fê-lo porque estava cansada de aturar os miúdos, desesperada por uns momentos de paz. Ninguém se assustou. Mas ninguém achou piada.
 
A Ana ficou horrorizada porque de repente já não são apenas as outras pessoas que a consideram igual à mãe: ela está igual a mãe!
 
Mas para provar que não é apenas uma borboleta apardalada como a mãe, mas sim uma criatura maquiavélica, manipuladora e profética como o pai, disse aos miúdos que estavam na presença de uma brincadeira de forte tradição familiar e que deveriam dar-lhe continuidade.
 
Tem mau perder esta gaja!