sábado, fevereiro 26

A vida


- A vida pode ser muito estranha, diz ela, sentando-se na mesa da cozinha com um pacote de Oreos cobertas de chocolate. Se não vê lá isto, diz enquanto come uma bolacha.

Tiro a cabeça de baixo da asa e olho para ela. Não me digam que está a falar comigo?! Logo ela que não me liga nenhuma e me dá a mesma importância que daria a um papagaio empalhado apesar dos 750 euros que pagou por mim!

- Imagina esta situação...uma mulher de 40 anos com filhos, com marido, com namorado, com amante, com amigos e amigas vários, enfim...uma mulher com um coração grande!

Tento fazer um ar casual ao ouvir esta descrição sobre o tamanho deste coração enquanto a oiço afinal, se resolveu falar comigo o melhor é fingir que essa mulher é toda coração...

- Esta mulher chega ao fim do dia e quer contar um episódio engraçado que lhe aconteceu no trabalho e não tem quem a oiça. Os filhos são pequenos para perceberem a piada, o marido está demasiado envolvido na gestão das pequenas tarefas domésticas e quando pára quer é contar-lhe o seu dia. Ligar ao namorado seria impensável, o que iria a mulher dele pensar?! O amante? Esse está apenas interessado em outros assuntos...Ela até poderia telefonar a outras pessoas mas acabará certamente com uma amiga a contar-lhe os problemas conjugais ou a ouvir de um amigo brutais proezas sexuais.

A Ana já comeu a segunda bolacha e inicia a terceira Oreo.

- Acaba por ligar o computador e tentar o Facebook. Assim que o faz fica on line com os predadores do costume que precisam de teclar diariamente o quando gostam dela e o que gostariam de fazer com ela. Bloqueia mais um enquanto tecla com uma amiga que precisa de desabafar.

Come a quarta Oreo, olha para mim com ar culpado enquanto diz que que só ali estão 400 calorias...

- Enfim...só para te dizer que ela acaba a noite sozinha a contar a sua história num blogue qualquer que ela mantém e que ninguém lê. É estranha a vida não é, Gaio?

Quando o silêncio se instala sinto que tenho que dizer alguma coisa. Mas o quê?

- Não te preocupes, digo-lhe em tom leve, tu nunca acabarás sozinha a escrever num blogue qualquer. Ter-me-ás sempre a mim, o papagaio Gaio, para conversar.

- E com isso deveria ficar consolada?, diz-me ela, olhando-me perigosamente de atravessado. Depois disto tudo é isso que tens para me dizer? Deixa-me que te diga que és sem margem para dúvida um psitacideo macho!

- Bom, digo-lhe, com ar mau e voz zangada, também te podia ter dito que a comer dessa maneira vais ficar uma vaca gorda incapaz de manter o marido quanto mais arranjar um namorado e mais um amante!

Silêncio de morte. Estou perto da janela e certifico-me que ainda sei voar. Ela vai atirar-me do sétimo andar, ai se vai...

Só que de repente começa a rir às gargalhadas, os olhos cheios de água, engasga-se com a enésima Oreo, a boca toda cheia de chocolate.

- Essa teve piada Gaio, só tu para me fazeres rir, diz toda encarnada.

Eu nem respondo. Se lhe fosse dizer aquilo que me apeteceu de repente fazer à aquela boca com sabor a chocolate, era bloqueado na vida real!

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