sexta-feira, novembro 11

As maravilhas do ensino público



Desde que vivo aqui no poleiro que oiço a Ana enaltecer o ensino público. Passava até o tempo todo a enlouquecer as meninges do Pernas clamando que o colégio dos miúdos não passava de um Gueto sócio-económico e cultural sem a multiplicidade étnica essencial para os filhos dela.

Pelo que julgo saber foram anos nisto, até que o tal Gueto fechou o ano passado depois de ter sido penhorado pelas finanças.

Foi a oportunidade que a Ana há muito esperava e lá conseguiu que o Pernas fosse na história da escola pública. Não foi difícil. O Pernas já andava a contar os euritos que todos os meses não recebia porque o governo tinha decidido que não lhe faziam falta e concordou.

E a Ana lá foi à primeira reunião do Infantário da Boneca ansiosa por fazer parte daquela comunidade onde estariam representados todos os extractos sociais como se de uma amostra estatística do país se tratasse.

Veio satisfeita! Aquilo é que era uma escola como devia ser. A turma da Boneca tinha dois brasileiros, um ucraniano, um romeno, duas famílias carenciadas e, maravilha das maravilhas, a cereja em cima do bolo, a turma da Boneca tinha o seu próprio cigano!

Era o êxtase. Como se não bastasse a miúda no primeiro dia de aulas escolheu o cabide ao lado do ciganito apesar do Pernas ter tentado até ao ridículo que a miúda escolhesse outro mais distante.

Durou pouco o idílio da Ana com o ensino público.

A Boneca tem quatro anos e na escola pública os miúdos de quatro anos ainda não escrevem o seu próprio nome. Fazem desenhos e mais desenhos e mais desenhos e a Boneca estranha porque estava habituada a trabalhar.

No Gueto os miúdos eram estimulados independentemente da idade a desenvolver as suas capacidades...

Na semana passada a Boneca disse que tinha aprendido na escola a escrever os cinco primeiros números. A mãe estranhou, mas tu já sabias isso. Disseste à professora que já sabias? Que não tinha dito, e aqui parecia meio envergonhada, porque a professora não lhe estava a ensinar a ela, estava a ensinar os mais crescidos...ela estava apenas a fazer mais um desenho...

E quando chega a casa pede para trabalhar e lá vai escrevendo os nomes de todos cá da gaiola, e os números e as letras e o nome da terra em que vive que a professora escreve no quadro apenas para os mais velhos aprenderem mas que ela ainda não pode saber...

Se calhar há Guetos que valem a pena.

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