sexta-feira, novembro 25

sexta-feira, novembro 11

As maravilhas do ensino público



Desde que vivo aqui no poleiro que oiço a Ana enaltecer o ensino público. Passava até o tempo todo a enlouquecer as meninges do Pernas clamando que o colégio dos miúdos não passava de um Gueto sócio-económico e cultural sem a multiplicidade étnica essencial para os filhos dela.

Pelo que julgo saber foram anos nisto, até que o tal Gueto fechou o ano passado depois de ter sido penhorado pelas finanças.

Foi a oportunidade que a Ana há muito esperava e lá conseguiu que o Pernas fosse na história da escola pública. Não foi difícil. O Pernas já andava a contar os euritos que todos os meses não recebia porque o governo tinha decidido que não lhe faziam falta e concordou.

E a Ana lá foi à primeira reunião do Infantário da Boneca ansiosa por fazer parte daquela comunidade onde estariam representados todos os extractos sociais como se de uma amostra estatística do país se tratasse.

Veio satisfeita! Aquilo é que era uma escola como devia ser. A turma da Boneca tinha dois brasileiros, um ucraniano, um romeno, duas famílias carenciadas e, maravilha das maravilhas, a cereja em cima do bolo, a turma da Boneca tinha o seu próprio cigano!

Era o êxtase. Como se não bastasse a miúda no primeiro dia de aulas escolheu o cabide ao lado do ciganito apesar do Pernas ter tentado até ao ridículo que a miúda escolhesse outro mais distante.

Durou pouco o idílio da Ana com o ensino público.

A Boneca tem quatro anos e na escola pública os miúdos de quatro anos ainda não escrevem o seu próprio nome. Fazem desenhos e mais desenhos e mais desenhos e a Boneca estranha porque estava habituada a trabalhar.

No Gueto os miúdos eram estimulados independentemente da idade a desenvolver as suas capacidades...

Na semana passada a Boneca disse que tinha aprendido na escola a escrever os cinco primeiros números. A mãe estranhou, mas tu já sabias isso. Disseste à professora que já sabias? Que não tinha dito, e aqui parecia meio envergonhada, porque a professora não lhe estava a ensinar a ela, estava a ensinar os mais crescidos...ela estava apenas a fazer mais um desenho...

E quando chega a casa pede para trabalhar e lá vai escrevendo os nomes de todos cá da gaiola, e os números e as letras e o nome da terra em que vive que a professora escreve no quadro apenas para os mais velhos aprenderem mas que ela ainda não pode saber...

Se calhar há Guetos que valem a pena.

domingo, novembro 6

O mistério dos pontos finais desaparecidos



O Júnior prefere a Matemática ao Português.

Não gosta de cópias e de perguntas de interpretação e faz o mínimo possível. Do Português o que ele gosta é de escrever o que lhe apetece numa agenda que anda com ele para todo o lado.

Em vez de uma bonita caligrafia, nos cadernos escolares, apresenta uns garatujos completamente ininteligíveis. A professora já lhe disse que tem que melhorar a letra e o pai, esse anda a tentar "obrigá-lo" a mudar.

Hoje o Pernas estava fulo porque o miúdo tinha escrito um parágrafo enorme sem um único ponto final.

- Aonde estão os pontos finais?, pergunta ao Júnior? Já não te disse para colocares pontos finais.

O Júnior responde que pôs os pontos finais exactamente como o pai tinha mandado depois de mais uma das inúmeras correcções necessárias ao TPC de português.

- Onde estão?! , grita o pai já sem paciência.

- Estão aí! , diz o Júnior calmamente enquanto se aproxima do pai e do caderno. Estranho, acrescenta aproximando o nariz da folha, é estranho...da última vez que olhei estavam aí!!!

E fica a olhar para o pai...

Um cogumelo, dois cogumelos, três cogumelos...

Na cozinha.

- Vês, diz a mãe pedagógica, isto é que é um cogumelo e não aquelas fatias pequeninas que utilizamos normalmente. Esses estão laminados e é o mais prático para cozinhar. Estes são cogumelos como são na realidade, têm um pezinho aqui e uma cabecinha. Se não fosse o papá não comprar nada como eu lhe peço, acrescenta, nem uma lata de cogumelos laminados, sabe comprar, tu não poderias ver um cogumelo inteiro.
- Eu já vi um cogumelo verdadeiro, declara a Boneca, vi na tevisão! E era igual como esse. Igual mesmo.Só que não tava aí, aparecia no chão pintado na relva...