quarta-feira, abril 25

Revolution baby...

Desde sempre que o 25 de Abril é assinalado aqui no aquário/gaiola/colónia porque representa a primeira grande tormenta académica da Ana: a redacção que tinha que fazer sobre o dito dia no dia seguinte nas aulas. Foi durante anos o verdadeiro calcanhar de Aquiles dela porque de resto conseguia fazer o seu percurso escolar utilizando uma quarta parte do cérebro, tudo lhe parecia tão fácil, reservando os outros três quartos para aquilo que lhe verdadeiramente interessava:
  • será que existem extra terrestres? como posso contactar com um? mais importante ainda, será que sou filha dum extra terrestre?
  • será que é mesmo impossível aprender a falar a língua de cão? quando for ao monte vou tentar novamente falar com o Nero;
  • porque não consigo sozinha aprender francês?
  • será que hoje é quinta-feira? à quinta é empadão, será que hoje é empadão de arroz para o almoço?, se é vou ter que ir muito devagar para casa, detesto empadão e se for muito devagar será que hoje vou ter que andar à pancada com mais miúdos do que é normal porque já almoçaram e já estão na rua a brincar? em qual é que bato primeiro?
  • será que o José Adriano vai continuar a olhar para mim com aquele ar de parvo? porque não lhe consigo bater como bato nos outros?
  • o que quer dizer menopausa? pergunto ao meu pai? e se ele me responde em meia hora deixando-me mais uma dúzia de palavras que não percebi para ver no dicionário?
  • o mundo vai mesmo acabar?
  • será que se passar na mercearia do Sr. Figueira ele me deixa levar um chocolate e pôr na conta? ou será que a minha mãe lhe disse que é só um por semana? será que a minha mãe vai notar no fim do mês? será que se vai zangar?
  • é verdade que descendemos dos macacos? se é verdade porque tratamos tão mal os animais? o que terá acontecido ao Black que nunca mais voltou?
  • será que as flores gritam quando as apanhamos?...,
todos os dias montes de coisa para saber e sem net para consultar, era exasperante.

Enfim essa produção de texto como se diz agora tinha por título "O que é para ti o 25 de Abril" e face às dificuldades da aluna a professora sugeriu que ela escrevesse aquilo que o pai dela dizia sobre o 25 de Abril. Foi o pânico total, ela bem que tentou, mas apesar da sua diminuta integração social até ela sabia que crescer na Cidade Satélite vulgo Moscovo exigia um mínimo de integração ideológica, ela que já era suspeita por ser da Madeira, terra de fascistas.

Era lá possível que ela escrevesse a análise intelectualizada e racional do pai dela balizada pela ciência política, relações internacionais, história e economia? E se ela já tinha um problema, não fazia a mínima o que dizer, ficou com dois não podia dizer o que em casa dela se dizia sobre a revolução. A solução estava na colega de carteira uma miúda com o QI por desenvolver mas que tinha o pai certo no 25 de Abril: um mecânico da oficina da rua de baixo sem escolaridade mas com bom ouvido para os slogans da época. Assim lá lhe soprou que agora éramos livres e todos iguais, que o fascistas tinham fugido e que se podia dizer o que se quisesse e foi assim que durante anos a Ana foi reproduzindo as opiniões do pai da Adélia sobre a revolução mas continuava a ser um sofrimento devido, como ela diria actualmente, à desonestidade intelectual.

Poder-se-ia pensar que face a isso ela poderia pensar poupar os filhos dela a esta dificuldade porque amanhã é dia de escola e é provavelmente dia de "produção de texto" sobre o 25 de Abril. E foi o que ela fez, desceu as escadas e disse ao Júnior " se amanhã tiveres que escrever sobre o 25 de Abril não te esqueças de falar sobre a democracia e a liberdade que foram conquistas de Abril". O míudo desvia o olhar da TV e diz "nã, prefiro escrever aquilo sobre a destruição da industria e da economia, o fim do império e o atraso do país em mais de 50 anos..."

Filho de peixe sabe nadar...
:)

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